O princípio da caixa-preta: o pouso do Airbus 320 no Rio Hudson em Nova York

Tem 5 Minutos? - Rodrigo Pacheco
7 min readJan 10, 2022

--

Ouça este texto no meu podcast:

_

Eu não lembro exatamente quando foi a minha primeira viagem de avião.

Todo aquele processo de embarque, consultando documentos e a própria passagem, deixando sua bagagem para despacho e seguindo para o portão de embarque com o bilhete em mãos.

E quando você chega no raio-x? Quantos filmes de ação não veem à cabeça? Todo aquele suspense imaginário é criado enquanto você espera a sua vez na fila até passar pelo detector de metais.

Quando o sinal de passagem é confirmado e você pode seguir para o seu embarque, há um sentimento de cidadão que é comprido, não é mesmo?

Você pensa: “Não será eu quem causará confusão no voo desta vez.” haha

Matthew Syed é autor do livro Ideias Rebeldes, que tive a oportunidade de ler e aprender por meio de ótimas histórias que até resultaram em episódios aqui no meu podcast.

Um outro livro seu, esse publicado em 2016 e que já dava ao autor um status de relevância foi a minha última leitura, chama-se O Princípio da Caixa-Preta. Uma capa laranjada, bem bonita, que traz em suas páginas um aprofundamento do conceito e como evoluímos desde então em diversas áreas profissionais e contextos de vida.

E para entender esse princípio, no episódio de hoje, falarei sobre o caso do avião com 155 pessoas a bordo que pousou no rio Hudson e do seu piloto Chesley Sullenberger, o Sully, que teve a história contada nos cinemas no filme Sully: O Herói do Rio Hudson, do diretor Clint Eastwood e do ator Tom Hanks.

Photo by Markus Winkler on Unsplash

Sabe a caixa preta do avião? Ela é um sistema de registro de dados e voz criado para registrar milhares de dados por segundo, bem como as conversas dos pilotos na cabine, permitindo, assim, uma análise precisa das causas de um acidente.

Inclusive, as caixas não são da cor preta. Atualmente, elas possuem uma coloração predominantemente laranjada e florescentes, justamente para facilitar a identificação dos aparelhos nos casos de acidentes — assim como a capa do livro.

Esse mecanismo foi criado com o princípio de aprender com os erros que ocasionam acidentes aéreos na aviação.

Para outras organizações, além da própria aviação, não se trata de literalmente criar caixas-pretas, porém diz respeito à vontade de investigar e a à tenacidade para investigar as lições que quase sempre existem quando falhamos, mas que raramente exploramos.

No fim, estamos falando sobre criar sistemas e culturas que permitam às organizações aprender com os seus erros, em vez de serem ameaçados por eles.

Vamos ao caso do Rio Hudson.

O caso do pouso no Rio Hudson

Às 15h25 de 15 de Janeiro de 2009, o voo US Airways 1549 recebeu permissão para decolar da pista 4 do Aeroporto LaGuardia, de Nova York.

Era uma tarde clara, e na cabine de comando o piloto Chesley Sullenberger e o copiloto Feffrey Skiles faziam o checklist. Estavam animados para a viagem. O que nenhum dos dois sabia é que estava prestes a embarcar em um dos mais celebrados voos comerciais dos tempos modernos.

Menos de dois minutos após a decolagem, um bando de gansos do Canadá de repente ficou visível à direita do avião. A velocidade da aproximação era tão grande que os pilotos não tiveram tempo de fazer uma ação evasiva.

Duas aves voaram para dentro da turbina direita e pelo menos mais uma para a turbina da esquerda.

Depois de uma série de altos estrondos, o avião pareceu parar, o que foi seguido de um silêncio mortal. As turbinas tinham perdido empuxo. Os pilotos sentiram o pulso se acelerar e a percepção diminuir: a clássica reação ao perigo.

Estavam agora a mil metros de altitude, sobrevoando Nova York num Airbus A320 de setenta toneladas, sem potência para voar.

Com o resultado de muitos outros voos anteriores com complicações ligadas à imprevistos como esses, o resultado dessa história foi um final feliz. Todas as ações realizadas durante os poucos minutos de reação que o piloto e sua equipe tiveram que realizar, foram baseadas em acontecimentos trágicos do passado.

Por exemplo: os checklists surgiram de uma série de acidentes na década de 1930. O projeto ergonômico da cabine de comando nasceu de uma desastrosa série de acidentes que envolveram B-17S. O Gerenciamento de Recursos da Tripulação emergiu dos destroços do United Airlines 173.

Sully conseguiu pousar o avião, todas as 70 toneladas, no rio Hudson. Foi uma manobra considerada brilhante. O comandante também foi diligente nas providências posteriores. Atravessou a cabine de passageiros duas vezes para ter certeza de que todos já estavam sobre as asas, alguns centímetros acima da superfície do rio, antes de deixar a aeronave. Ninguém teve ferimentos letais.

A importância desse princípio para a aviação

Poucos setores levam tão a sério os erros quanto a indústria aeronáutica. Depois de sua queda espetacular no rio Hudson, o capitão Sullenberger (Sully), escreveu: “Todo conhecimento na aviação, toda regra, todo procedimento existe porque alguém caiu em algum lugar”.

Ou seja: cada queda aumenta a segurança de voos futuros. E essa segurança não seria possível se não fossem as caixas-pretas e seus registros.

Hoje em dia muitas prestigiosas companhias aéreas foram ainda mais além, criando um monitoramento em tempo real de dezenas de milhares de parâmetros, tais como desvios na altitude e uma inclinação excessiva, o que permite uma comparação contínua de desempenhos, para diagnosticar padrões que suscitem preocupação.

Atualmente, a meta ambicionada é aumentar a quantidade de informações em tempo real, o que tornará as caixas-pretas redundantes. Toda a informação já teria sido transmitida para uma base de dados central.

A aviação, então, leva as falhas a sério. Qualquer dado que possa demonstrar que algum procedimento está errado ou que o projeto da cabine de comando é inadequado, ou que os pilotos não foram treinados como é preciso, é cuidadosamente extraído e examinado. São usados para manter e fixa a indústria numa caminho mais seguro.

E as pessoas, individualmente, não se intimidam de reconhecer seus erros, porque reconhecem o valor dessa atitude.

A história do Sully e o pouso no rio Hudson nos traz uma valiosa lição sobre o sucesso e seu paradoxo: no fim, a definição que algo foi um sucesso passa pelo entendimento de casos passados de fracassos.

E no nosso dia-a-dia, como fica tudo isso?

Como fazer para aceitar, sem dó nem piedade, as falhas, os fracassos e as quedas? É difícil fazer isso sozinho. Em geral, enxergamos falhas nos outros com muita mais clareza do que quando nós mesmos falhamos.

Nesse sentido, a melhor coisa é poder contar com um parceiro de vida ou um amigo que lhe apresenta a verdade sem retoques.

E ainda assim o seu cérebro tentará maquiar fatos menos favoráveis. Com o tempo, porém, você aprende a levar a sério o julgamento dos outros.

E se a gente tivesse nossas próprias caixas-pretas? Ou seja, no momento que tomar uma decisão importante, anote o que passa pela sua cabeça. Se essa decisão se revelar equivocada no futuro, dê uma olhada nessa caixa-preta e analise exatamente quais raciocínios levaram a esse erro.

Pode ser uma gravação no seu celular ou um caderno de anotações no computador, assim como uma parede com post-its classificada em decisões pessoais e profissionais, por exemplo. Enfim, dá-se um jeito.

Com cada decisão errada cuja origem você entendeu, a sua vida vai acabar melhorando. Se não conseguir explicar onde estava o erro, você não entendeu o mundo ou a si próprio. Em outras palavras: se não conseguir explicar a queda, voltará a cair. Vale a pena ser obstinado na análise dos fatos.

E claro, considere buscar eliminar as causas daquele determinado erro. Não esperar as consequências fazerem estragos é importante. Se você não der conta da realidade, a realidade é que dará conta de você.

E aí eu trago aqui, os conceitos de ciclos abertos e ciclos fechados.

O primeiro, para mim, é o mais importante. Quando identificamos nossos erros e buscamos resolvê-los, estamos dispostos a passar por ciclos abertos de aprendizados e evoluir como um passo seguinte àquele erro.

Ciclos fechados, por sua vez, não te faz aprender com os erros. Quando pessoas não questionam erros, elas às vezes nem sabem que cometeram um. Ou seja, um ciclo fechado é onde o fracasso não leva ao progresso porque a informação sobre erros e fraquezas é mal interpretada ou até ignorada.

E um ciclo aberto, por fim, leva ao progresso porque o feedback é racionalmente aproveitado para determinar uma ação e assim, evoluir.

Numa entrevista na televisão meses depois do pouso milagroso no Hudson, ele deu essa incrível constatação:

“Tudo que sabemos na aviação, cada regra no livro de regras, cada procedimento que adotamos, nós os sabemos porque alguém morreu em algum lugar. Adquirimos, a um preço alto, lições obtidas literalmente com sangue, que temos de preservar como conhecimento institucional e passar para as gerações seguintes. Não podemos cometer o erro moral de esquecer essas lições e ter de reaprendê-las.”

Hoje, ele é consultor de segurança aérea e será representante dos EUA no Conselho da Organização Internacional de Aviação Civil, nomeado pelo presidente Biden em Junho de 2021.

Para finalizar

Essas palavras do Sully merecem nossa reflexão, pois oferecem a possibilidade de reimaginar radicalmente o fracasso.

A ideia de que o exitoso recorde de segurança na aviação tenha emergido do entulho de acidentes no mundo real é vívida, paradoxal e profunda. É também reveladora.

Aprender com o fracasso não é outra cosia senão ser honesto. As atitudes e atividades requeridas para detectar e analisar falhas estão pouco presentes na maioria das empresas, e a necessidade de estratégias e aprendizagem em contextos específicos está sendo subavaliada.

As organizações precisa de novos e melhores métodos para ir além das lições superficiais.

A vida não é simples. Mesmo tendo uma boa vida você terá que lidar com uma boa quantidade de fracassos. E tudo bem cair de vez em quando. Importante é descobrir as causas e resolvê-las.

Problemas não são como vinhos franceses, que melhoram com o tempo.

_

Texto baseado no livro: o princípio da caixa-preta, do autor Matthew Syed.

--

--